Ergonomia – existe uma postura ideal?

Ao pesquisarmos no Google em imagens podemos observar diversas figuras que nos mostram a posição ideal, a qual deveríamos nos manter por todas as horas de trabalho, principalmente quando estamos de frente para o computador.

Nossa cultura, enquanto sociedade, foi influenciada de forma abrangente por diretrizes impostas pelo militarismo, nas fábricas e nas escolas as pessoas são uniformizadas, cumprem horários rígidos e regras que são determinadas por uma hierarquia clara.

Este ambiente em que a maior parte das pessoas cresce é extremamente rígido, o que de fato nos leva a adotar posturas rígidas inconscientemente. “Peito para fora! Barriga para dentro! ombros para trás!”, frase muito ouvida por gerações inteiras que cantavam o hino todas as manhãs na escola.

Como influência complementar tivemos gerações de meninas que eram praticamente obrigadas pelas famílias a aderirem às aulas de balé como primeira opção de atividade física, até que mais tarde pudessem optar por outros esportes ou mesmo pelo sedentarismo. Importante entender que na prática do balé o natural é manter uma coluna absolutamente reta, sem curvaturas fisiológicas.

Todo este contexto histórico nos traz a ideia de como a ergonomia foi influenciada por uma cultura que acreditava que poderíamos ajustar a postura das pessoas a partir de instruções rígidas de posicionamento e manutenção destas posturas por todo o dia.

Mas na última década a visão dos profissionais do movimento e principalmente dos que se ocupam de estudar o que gera uma boa postura e principalmente entender se existe uma postura ideal tem mudado de forma radical. Estudos sobre a evolução dos nossos ancestrais, principalmente revendo a história dos últimos 2 milhões de anos, desde o homo erectus, tem nos mostrado que uma boa postura se revela a partir de uma boa mecânica do corpo, movimentos eficientes geram uma boa postura!

Para ratificar ainda mais estas teorias, além de diversos estudos científicos demonstrando a importância de uma movimentação variada para estruturar um corpo eficiente, ainda podemos nos embasar nos estudos do desenvolvimento neuropsicomotor dos bebês, um conhecimento já estudado há muitos anos nas faculdades, mas deixado de lado por muitos anos como base de entendimento de como é formada a postura. Sabemos que a forma como o bebê se movimenta influencia diretamente quando e como irá desenvolver-se sua postura.

Outro fato importante analisando comunidades que vivem ainda como nossos ancestrais (Raichlen DA, 2020), mostram que apesar de que nestas comunidades as pessoas tendem a permanecer, em média, o mesmo tempo que a média da população urbana em repouso, os Hadza tendem a movimentar-se muito durante o repouso, variando entre posturas diversas sentados no chão, em cócoras e ajoelhados, enquanto a população urbana tende a ficar em repouso sentado em cadeiras e sofás confortáveis por horas sem movimento. No estudo o objetivo era mostrar como estas comunidades que vivem como nossos ancestrais tendem a desenvolver menos doenças crônicas advindas da inatividade.

E qual a conclusão que podemos tirar destes dados?

Pensar em ergonomia como orientações de uma postura para manter-se por todo dia pode ser um erro, já que desenvolvemos uma musculatura postural mais eficiente a partir de movimentos de qualidade e variados. Pensar que ficar horas com uma postura rígida na frente do computador pode gerar algum benefício também pode ser um erro nesta linha de pensamento, já que sabemos que nossas articulações precisam de movimento para manutenção de uma mobilidade natural e para melhorar a nutrição de nossa cartilagem.

A orientação em relação à um bom posicionamento de punhos, coluna e pés também pode contribuir, mas de fato, manter uma boa movimentação de tempos em tempos, mesmo que sem levantar, cruzando as pernas de forma diferente, movimentando a coluna em rotação e até mesmo se espreguiçando, pode gerar mais benefícios para evitar dores tensionais, do que manter uma postura “ideal”.

Raichlen DA, Pontzer H, Zderic TW, et al. Sitting, squatting, and the evolutionary biology of human inactivity. PNAS. 2020:1-7.

https://www.pnas.org/content/117/13/7115

Claudio Cotter

Departamento de Fisioterapia

Grupo Upper Life

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